Atos Modernos: Novas práticas para o colecionismo

Em 2020 a Pinacoteca do Estado de São Paulo e a Coleção Ivani e Jorge Yunes deram início a uma parceria até então inédita no Brasil, que propunha a criação de um programa artístico transdisciplinar capaz de integrar as duas instituições. Para dar início ao projeto, a coleção privada subsidiou a contratação da curadora e pesquisadora Horrana de Kássia Santoz, que por dois anos atuou na Pinacoteca conduzindo uma pesquisa densa e aprofundada acerca das duas coleções, privada e pública, bem como suas relações. O resultado é a mostra Atos Modernos, que reúne um conjunto de cinco obras inéditas dos artistas Castiel Vitorino Brasileiro, Mitsy Queiroz, Luciara Ribeiro, Olinda Wanderley Tupinambá e Charlene Bicalho, expostas a partir de 04 de junho na Pinacoteca.

O projeto “Atos Modernos” se configura como um exemplo de novas práticas para o colecionismo contemporâneo. Simultaneamente, apoia a produção de artistas emergentes, colabora com a atividade de curadores de diferentes especialidades e possibilita releituras críticas da coleção e de seus segmentos, ampliando as possibilidades de pesquisa e exibição de obras de maneira prática.
O modelo do programa de comissionamento, homônimo à exposição, é inédito no Brasil, mas muito comum em outros países como forma de fomento à arte e cultura. É um projeto que intersecciona recortes das coleções e incentiva a produção contemporânea no país, lançando luz sobre temas latentes e urgentes em uma sociedade. Entre eles, datas que são importantes marcos para 2022: as eleições presidenciais, o centenário da Semana de Arte Moderna e o bicentenário da independência - ou seja, mais do que nunca, é tempo de revisitar memórias, temporalidades e contradições.
Olinda Wanderley, vista da exposição. Divulgação, Pinacoteca de São Paulo, 2022.
O programa, assim como a mostra que materializa o encerramento deste ciclo da parceira, é um olhar atento para a arte contemporânea no país. Não apenas por evidenciar a produção de artistas do seu tempo, mas por ampliar diálogos, criar pontes, incentivar o campo da pesquisa e contribuir para a programação do museu. Ele também permite ampliar o olhar sobre as diferentes formas de trabalhar o colecionismo por meio de parcerias com instituições, no intuito de movimentar o conjunto de obras.
Dividida entre os edifícios da Pina Luz e Pina Estação, a mostra reúne obras que buscam discutir aspectos da modernidade na produção e no pensamento contemporâneo. O grupo de artistas escolhido para compor a mostra já trabalhava com uma pesquisa aprofundada que desbrava as memórias e a ancestralidade - como forma de percorrer entretempos.
Charlene Bicalho, vista da exposição. Divulgação, Pinacoteca de São Paulo, 2022.
Castiel Vitorino Brasileiro (1996, Vitório, Espírito Santo) apresenta a obra “Prosperidade São Lembranças e Escolhas'', que propõe um reencontro estético e linguístico com as memórias centro-africanas. Em uma espécie de monumento, a artista lida com a linguagem como instrumento de poder e controle - evidenciando a linguística como projeto de apagamento colonial. Ela aborda o esquecimento como um trauma do cotidiano e, por isso, ela busca dar continuidade a sistemas de linguagem como kimbundo, kikongo, portugues-umbandista, como um convite a reescrever a história brasileira.
Castiel Vitorino Brasileiro. Foto: Roger Ghil
Charlene Bicalho (1982, Nova Era, Minas Gerais) apresenta a obra intitulada “Orbitando a [im]permanência do sol, e a constância das águas” (2021-2022) - que integra múltiplas linguagens, como a performance, a fotografia, o desenho, o vídeo e a instalação. O trabalho inédito teve como ponto de partida o espaço de escuta criado pela artista a fim de conhecer as pessoas que trabalham na empresa terceirizada responsável pela manutenção da limpeza da Pinacoteca Luz e Pinacoteca Estação. O resultado é uma obra que transforma não apenas a arquitetura física do museu, mas também a arquitetura organizacional - evidenciando as cores dos uniformes e os elementos que integram o dia a dia dessas pessoas.
Charlene Bicalho, montagem. Divulgação, Pinacoteca de São Paulo, 2022.
Luciara Ribeiro (1989, Xique-Xique, Bahia) apresenta o vídeo-documentário “Narrativas e Territórios em disputa: Investigações sobre os sistemas das artes” (2022). Seu objetivo é pensar criticamente no que seria esse ato moderno e refletir sobre as relações que o moderno, modernismo, modernidade, apresentam num circuito artístico. Com isso, ela repensa lugares que são colocados como margens - ou seja, não são apresentados dentro de uma centralidade do eixo artístico, aprofundando sua pesquisa em deslocamentos e descentralização.
Luciara Ribeiro. Divulgação, Pinacoteca de São Paulo, 2022.
Mitsy Queiroz (1988, Recife, Pernambuco), artista visual e pedagogo, apresenta o único trabalho localizado na Pina Estação: “As ilhas alagadas do Pina”(2022), que materializa o reencontro com uma fotografia familiar e com a Praia do Pina, localizada na cidade de Recife. Em sua pesquisa, o artista aprofunda a fotografia, suas estruturas e, com isso, cria outras concepções de temporalidade. Com predileção pelo análogo, também faz da infinidade de processamento de revelações alternativas uma parte da autoria de sua produção.
Mitsy Queiroz. Divulgação, Pinacoteca de São Paulo, 2022.
Por fim, Olinda Tupinambá (1989, Bahia), que além de artista é jornalista, documentarista, produtora de audiovisual e cineasta. Suas produções audiovisuais transitam por um universo fantasioso e, por vezes, mágico. Em seu novo filme “Ibirapema” (2022), aborda a questão da modernidade imposta às populações indígenas e não indígenas, que simultaneamente entrelaça vivências e aniquila identidades.
Olinda Tupinambá. Divulgação, Pinacoteca de São Paulo, 2022.

Iniciada em meados da década de 1970 pelo casal Ivani e Jorge Yunes, a coleção (www.cijy.com.br) foi sendo constituída a partir do forte interesse do casal por arte e cultura. Reunido um conjunto excepcional de pinturas, esculturas, prataria, arte sacra, documentos, artefatos etno-históricos e acervos de curiosidades, a coleção guarda preciosidades da história da arte no Brasil, desde o século XVIII até o período moderno do século XX, reunindo também artistas internacionais e ícones da história da arte internacional. Desde 2018, Beatriz Yunes Guarita, diretora da Coleção Ivani e Jorge Yunes, e Camila Yunes Guarita, fundadora e diretora executiva da consultoria de arte Kura, estão à frente da Coleção e coordenam um trabalho museológico minucioso, destacando recortes históricos e artísticos, afirmando assim seu caráter público. Neste curto período, a coleção estabeleceu um trabalho integrado de sistematização, com especialistas de diversas áreas, que implementaram procedimentos de documentação, catalogação e higienização. Atualmente, a coleção tem sido apresentada em diversos museus no Brasil e no mundo por meio de empréstimos, comodatos e doações. Além disso, a CIJY é o ponto de partida para a criação do projeto autoral da Kura, Caixa de Pandora, que teve início em 2018 e teve seis edições ao todo. Criando diálogos a partir de recortes da coleção, artistas contemporâneos aprofundam sua pesquisa para produzir obras inéditas. O projeto teve início pela ausência de arte contemporânea na CIJY e permite que diferentes períodos da arte coexistam em um mesmo espaço expositivo.

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