Art Basel Paris 2025: reflexões de uma semana intensa na Cidade Luz

Entre feiras, museus e artistas, surge uma proposta: uma pausa para leitura. Nesta estreia do editorial da Kura, uma carta ao leitor, partimos de Paris sob o olhar de sua fundadora, Camila Yunes Guarita.

Quantas feiras o mundo da arte comporta hoje? E quanto é o suficiente para alimentar, e não apenas inflar esse ecossistema? Todos os dias surgem novos eventos, artistas e tendências. Como acompanhar tudo isso? E, sobretudo, como distinguir o que é genuíno daquilo que nasce apenas do apetite do mercado?


Essas perguntas me acompanharam ao longo de uma semana intensa em Paris, cidade que há algum tempo retomou o posto de epicentro do circuito internacional. No movimento constante, tradição e invenção são parte da mesma respiração. Entre inúmeras feiras, cada uma com sua identidade, é impossível não destacar a grandiosa Art Basel Paris, que celebrou sua quarta edição. Voltarei a ela mais adiante.


Paris sempre foi palco de encontros criativos que moldaram a história da arte. Tenho fascínio pelos anos 1920 na Cidade Luz, quando poetas, pintores e intelectuais se reuniam em cafés e ateliês, e dessas trocas nasciam obras e colaborações que atravessaram o tempo, como o Train Bleu de Chanel ou os balés de Diaghilev.



Hoje, Paris pulsa em outro ritmo, igualmente vibrante. Novas instituições surgem, como a Fondation Cartier pour l’art contemporain, que acaba de inaugurar um espaço de seis mil metros quadrados no antigo Louvre des Antiquaires, renovado por Jean Nouvel.

 


A exposição inaugural, Exposition Générale, tem curadoria de Béatrice Grenier, diretora de projetos estratégicos internacionais da Fundação, e organiza-se em quatro eixos: arquitetura efêmera, natureza, experimentação material e ficção científica (saiba mais).

 


Na próxima edição da Numéro Brasil, publico uma entrevista com Béatrice, revelando as ideias que orientaram essa abertura histórica.

Vista e detalhe de obra de Olga de Amaral na Fondation Cartier pour l'art contemporain, 2025. Imagem de divulgação.
A capital da arte, um século depois


Em 1925, com a Exposition internationale des arts décoratifs et industriels modernes , a cidade foi consagrada capital mundial da arte. Um século depois, mantém sua relevância cultural, celebrando cem anos do Musée d’Art Moderne de Paris com uma exposição de Otobong Nkanga (você pode conferir minha experiência aqui), que abrigou também, neste ano, o Prix Marcel Duchamp.

 


O vencedor foi Xie Lei, artista chinês radicado em Paris, cuja série de sete telas em tons de verde fosforescente explora a fronteira entre o visível e o invisível, o sagrado e o profano. Entre os finalistas, Bianca Bondi apresentou uma pesquisa sensorial sobre transformação e impermanência, unindo química, sal, plantas e objetos encontrados. É a minha favorita.

1: Detalhe da instalação Beltane Oracle (2022–2023) de Bianca Bondi na Lafayette Anticipations. Foto de Douglas Irvine para Numéro art. 2: Bianca Bondi, The Daydream (2021). Vista da exposição da artista na Fondation Louis Vuitton, Paris.
Feira e mercado


A Art Basel Paris brilhou no recém-renovado Grand Palais, reunindo obras excepcionais. Um Rubens apresentado por Larry Gagosian marcou a celebração dos 30 anos da galeria com o artista, enquanto uma pintura monumental de Gerhard Richter, Abstraktes Bild (1987), foi vendida por 23 milhões de dólares pela Hauser & Wirth.

1 e 2: Imagens de divulgação, Art Basel Paris 2025.


Richter, aliás, protagoniza uma retrospectiva comovente na Fondation Louis Vuitton, um dos pontos altos desta temporada parisiense.



A Mendes Wood DM apresentou Lygia Pape pela primeira vez na feira, em diálogo com sua individual na Bourse de Commerce, instituição de François Pinault, um dos motores do mercado global.


Com sede no coração do Marais, a galeria brasileira ilustra o deslocamento de espaços antes concentrados em Londres, que agora se distribuem entre o Marais e a avenue Montaigne, reflexo do pós-Brexit e do magnetismo cultural de Paris.

Minha experiência com a exposição pode ser conferida aqui
1: Vista da instalaçao de Takashi Murakami no Grand Palais, 2025 2: Vista da instalação 'Mountains', de Ugo Rondinone no estande da Eva Presenhuber, Art Basel Paris, 2025
Destaques e encontros


Entre os estandes, o da Eva Presenhuber exibiu apenas três esculturas de Ugo Rondinone, sobre silêncio e força.


Takashi Murakami reafirmou sua parceria com a Louis Vuitton, lembrando que arte e moda, há muito, se entrelaçam e se influenciam.


Moffat Takadiwa, presente na 36ª Bienal de São Paulo e exibido pela Semiose, dialogou com El Anatsui na Goodman Gallery, enquanto Anri Sala marcou presença com uma instalação expressiva na Marian Goodman.

1: Detalhe de Moffat Takadiwa⁠ 'Clean teeth', 2025⁠ 2: Anri Sala, 'No Window No Cry, (Olavo Redig de Campos)', 2016
1 e 2: Imagens de divulgação, Maison des Mondes Africains
A nova geografia da arte


Após o Brexit e a pandemia, Paris tornou-se eixo estratégico para grandes galerias internacionais. Além da Fondation Cartier, a Maison des Mondes Africains (MansA) abriu em outubro de 2025 em um antigo ateliê no 10º arrondissement. Mais que um museu, funciona como um centro de criação e circulação das culturas africanas e da diáspora, com exposições, residências, biblioteca e performances.


A MansA reforça a presença da arte africana contemporânea na cidade, promovendo diálogos culturais e iniciativas que conectam artistas, pesquisadores e públicos variados.

Moda e arte: diálogos inevitáveis


Nunca consegui separar moda e arte, e talvez nem deva. Os grandes grupos de luxo — Pinault, Arnault, Pernod Ricard e Cartier — atuam também como colecionadores, conectando mercados e artistas.

 


Nesta semana, a Miu Miu, sob o olhar de Miuccia Prada, integrou o circuito público de instalações Parcours e apresentou a performance 30 Blizzards, de Helen Marten, no Palais d’Iéna, uma reflexão sobre cotidiano e futuro. Foi um dos momentos mais intensos da programação.

 


Na Lafayette Anticipations, reencontrei o prazer da descoberta. Anos atrás, lá vi Issy Wood; agora, uma instalação de Meriem Bennani, entre espetáculo e crítica social, lembrava que o humor também é pensamento.

1: 30 Blizzards, de Helen Marten, no Palais d’Iénae. 2: Meriem Bennani na Lafayette Anticipations.
Feiras paralelas e descobertas


Paris Internationale é uma iniciativa coletiva fundada em 2015 por um grupo de galerias. Desde sua criação, a feira oferece uma rica seleção de projetos artísticos inovadores, apresentados por galerias de todo o mundo. Na feira, descobri o jovem italiano Leonardo Devitto;


Na Offscreen, por sua vez, o formato experimental ecoa o espírito da futura Art Basel Qatar; Já na Asia Now, conheci Mitsuko Asakura, em exibição no Palais Royal (saiba mais). Para finalizar, menciono ainda o trabalho da Erika Verzutti, dentro de um hotel: pura síntese de força e leveza (saiba mais).

1: Vista da instalação, OFFSCREEN 2025, La Chapelle Saint-Louis de la Salpêtrière. 2: Vista da instalação 'Sculptures Last Night', Erika Verzutti, Hotel Balzac, 2025

Paris continua sendo a minha cidade no mundo, contemporânea sem deixar de ser eterna.

Compartilhar

Whatsapp |Telegram |Mail |Facebook |Twitter